Problemas novos, soluções novas na Igreja

Não é só hoje, em tempos de pandemia, que a Igreja enfrenta murmurações e mal-estar no seu seio com críticas e confronto de posições contrapostas. É uma experiência que já vem desde as origens, na comunidade de Jerusalém, e está muito presente ao longo do percurso histórico da comunidade dos fiéis cristãos.
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Não é só hoje, em tempos de pandemia, que a Igreja enfrenta murmurações e mal-estar no seu seio com críticas e confronto de posições contrapostas. É uma experiência que já vem desde as origens, na comunidade de Jerusalém, e está muito presente ao longo do percurso histórico da comunidade dos fiéis cristãos. A primeira leitura da missa do passado domingo (Act 6, 1-6) relata uma dessas situações. A comunidade crescera e diversificara-se com cristãos de diferentes origens e sensibilidades e culturais e religiosas. O serviço dos apóstolos não conseguia chegar a todos e a ajuda às viúvas da parte helenista era descurada. Daí as queixas, que chegaram aos apóstolos. Eles escutaram-nas e trataram de resolver o problema envolvendo a própria comunidade. Em consequência da harmonia alcançada, a Palavra de Deus difunde-se, é acolhida, e a comunidade cresce.

Assim comenta um autor: “O facto tem uma importância fundamental: não só a dificuldade não se torna motivo de desencontro e de divisão como leva também os cristãos a tomar uma maior consciência do seu papel na sociedade e a encontrar soluções novas para poder fazer-se «tudo para todos». Pondo-se na humilde escuta do Espírito, recebem luz para estabelecer uma primeira diferenciação nos serviços eclesiais. Os Doze (apóstolos) examinam o problema, convocam todos os discípulos e propõem uma solução, que é aprovada e entra em vigor. Com ela manifestam que a Igreja é uma realidade viva, em contínuo crescimento.

Nesta nova situação, os apóstolos sabem discernir qual há de ser a sua tarefa insubstituível: presidir à oração, transmitir com fidelidade os ensinamentos de Jesus, orientar a comunidade para que escolha de maneira responsável no seu seio os homens adequados («de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria») para exercer um serviço caritativo que não exclua ninguém e difunda em toda a parte o bom perfume de Cristo. O versículo com que termina a perícope quase parece a sua coroação: a sábia articulação dos serviços no interior da Igreja tem como resultado a difusão da Palavra de Deus e o incremento massivo da comunidade cristã como novas e inesperadas conversões” (Lectio divina para cada día del año, vol. 4, p. 258-259).

Exemplo de discernimento comunitário

Esta experiência da Igreja primitiva de Jerusalém é exemplo e inspiração para o método do discernimento comunitário e discernimento pastoral. Ele aplica-se em grandes assembleias eclesiais como foi o Concílio Vaticano II ou os sínodos dos bispos ou os sínodos diocesanos. Mas também em assembleias ou conselhos pastorais ao nível da paróquia. É o método para, juntos e em corresponsabilidade de cristãos, resolver problemas ou tensões, enfrentar desafios e identificar caminhos e programas de ação apostólica e pastoral.

Foi essa a experiência vivida pela Igreja Católica no Concílio Vaticano II (1962-1965). Procurou enfrentar os problemas da comunidade cristã nos tempos modernos discernindo novas medidas para tornar mais eficaz a sua missão no testemunho do Evangelho no mundo de hoje. Abriu-se então ao diálogo com os demais cristãos, com os seguidores de outras religiões e com o mundo que preza a liberdade das pessoas e dos povos, a democracia, a ciência, o pluralismo e o confronto de ideias e visões da vida e da sociedade. O mesmo processo de encontro, debate e discernimento fez-se nos anteriores e nos recentes sínodos sobre a família, os jovens e a Amazónia. Constituíram um exercício, à luz do Espírito Santo e do Evangelho, da busca de caminhos e meios novos de testemunhar e comunicar a fé e servir a humanidade, segundo o espírito de Cristo, com obras e palavras, nos tempos e circunstâncias atuais.

Também a atual e dura experiência da pandemia e do confinamento, com a suspensão das celebrações litúrgicas comunitárias e das atividades pastorais, nos fez tomar mais consciência da importância da liturgia na Igreja doméstica e do papel da família como lugar de vivência, partilha e crescimento na vida cristã. Como na comunidade cristã primitiva, também hoje, das famílias às paróquias, às dioceses e aos diversos âmbitos da missão eclesial, todos são sujeitos da vida da Igreja. Há diversidade de ministérios e tarefas, mas todos cooperam e convergem para o crescimento espiritual do conjunto dos membros do povo de Deus e para que brilhe diante dos homens a luz de que os cristãos são portadores. Assim aqueles poderão ver as boas obras destes e glorificar o Pai do Céu, desejando igualmente ser iluminados com a mesma luz e viver de igual modo. 

Este episódio pode também iluminar e inspirar pastores e comunidades cristãs neste período de desconfinamento e de retomada das atividades pastorais e das celebrações litúrgicas comunitárias. Que havemos de fazer? Escutar o Espírito Santo, conversando entre nós e escutando-nos uns aos outros. Assim se pode tornar claro o caminho a seguir e as ações a empreender. Os conselhos pastorais paroquiais ou, quando eles não existem, os encontros de diferentes responsáveis de serviços e colaboradores devem constituir espaço e meio para o discernimento comunitário dos caminhos a seguir para a dinamização da comunidade cristã. É pela escuta mútua e pelo contributo plural dos vários membros sobre a liderança e moderação do pároco que a comunidade pode ser capaz de enfrentar criativa e frutuosamente os problemas e desafios do presente e tornar-se lugar de fraternidade vivida e fogo que irradia, para dentro e para fora de si, calor, fé, alegria e amor, frutos da vivência do Evangelho.

Ousemos imitar o exemplo da comunidade de Jerusalém para resolver os problemas que se sentem nas comunidades atuais. Como ali também entre nós o Espírito se manifesta e nos ilumina e guia para encontrarmos as soluções adequadas para a vivência mais em profundidade e a difusão da “alegria do Evangelho”.

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