Natal de Maria nas nossas famílias

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Iniciámos neste ano pastoral o biénio dedicado a Nossa Senhora. Neste Natal, colocámo-nos nessa perspectiva da Mãe de Jesus e lançámos o desafio a algumas mães e pais a contarem a sua experiência natalícia.

São famílias em diferentes contextos e situações, o que traz também diversas implicações no modo de viver e sentir o Natal. Perguntámos apenas que alegrias e dores, esperanças e tristezas, confianças e incertezas marcam a sua experiência desta quadra festiva, colocando-se na relação com Maria, a primeira a viver o Natal de Jesus.

Os testemunhos podem ajudar cada um dos leitores a refletir e a dar a sua própria resposta à pergunta: O que sinto neste Natal e como é que esse dom maravilhoso da vinda de Deus ao nosso mundo marca a minha vida?

 

 

 

Susete Silva, de 40 anos, e Amândio Santos, de 33 anos, estão casados há 8 anos e têm três filhos. Vivem em Santa Catarina da Serra e procuram devolver ao Natal os valores originais e essenciais.

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Menos marcas e mais experiências marcantes

Falar sobre o Natal dos dias de hoje é falar sobre toda uma época de quase dois meses em que todos somos invadidos no nosso dia-a-dia por mecanismos sociais de incentivo ao consumismo. Consumismo que retira Jesus do foco do acontecimento e coloca os bens materiais nessa posição.

Esta pressão não tem obrigatoriamente que destruir o significado do Natal, já que existem muitas formas de o viver. Talvez a tradição espanhola de distribuir presentes apenas no dia de Reis faça muito mais sentido e permita que todos, adultos e crianças, tenham um Natal bem mais liberto para o seu verdadeiro significado…

Isto porque falar do nascimento do Menino há dois mil anos a uma criança que está na eminência de desembrulhar uma dúzia de presentes torna-se uma missão deveras complicada.

Um dia mais tarde, quando os nossos filhos crescerem, gostávamos que recordassem dos Natais que vivemos hoje, sobretudo, a união da família em torno de uma mesa festiva, em sinal de união e comunhão, assinalando o momento feliz do nascimento de Jesus. No seio da família reunida, certamente Jesus, em forma de amor, Se faz sentir e nos marcará a todos. Nessa altura, lembrarão menos os presentes que receberam e mais as pessoas presentes em volta dessa mesa.

Curiosamente, talvez porque, por coincidência, isso também interessa a quem incentiva o consumismo, achamos que o Natal dos dias de hoje ainda não perdeu o espírito de partilha em família. O desafio das famílias cristãs é, claramente, partilhar menos coisas e mais afectos, menos bens e mais valores, menos marcas e mais experiências marcantes.

Foi sobretudo o que recebemos nos Natais das nossas infâncias e é o que procuramos passar, hoje, nas infâncias dos nossos filhos.

Amândio Santos

 

Ana Cristina Farias, administradora de 49 anos, de Mafra, vive com o marido e as filhas Carolina e Cristina. Falta apenas a outra filha, Ana Catarina, que deixou esta família em luto, mas não deixa nunca de fazer parte do seu Natal.

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Vivemos o Natal!

Acende-se uma luz forte sobre este mistério. A encarnação do Filho de Deus tem lugar no seio de uma família, em Nazaré. Ele quis nascer nessa família pobre, na humildade dum estábulo, sendo as primeiras testemunhas deste acontecimento simples pastores. E assim começou a história mais santa e bela da humanidade.

Ele cresceu no seio daquela família e assim permaneceu durante 30 anos, diante de Deus e dos homens. É este mistério de vida que queremos celebrar em cada Natal… Por isso, em cada lar é colocado o presépio e a árvore de Natal, para irmos melhor ao encontro do “Deus Menino”, que cada um de nós traz dentro de si.

Foi com este espírito que fizemos a sua primeira árvore e presépio, em Dezembro de 1989. E foi tão importante, que o pinheirinho foi transplantado para o nosso jardim e cresceu, cresceu!

Querida filha, assim como Jesus cresceu nos braços de Maria e José, você tinha na mãe e no pai o amor maior, incondicional e belo da família que formávamos. Foram só 22 Natais! Passou tão depressa!

Agora, já não há árvore com luzinhas a piscar, presépio a preceito, só existe saudade. Mas o amor permanece intocável nos nossos corações. Agora, a árvore já não é colocada na sala do nosso lar, está eternamente no jardim a crescer, crescer, parece que quer chegar ao céu, onde estão as estrelinhas brilhantes que a decoram…

Durante toda a sua vida e até à última provação, quando Jesus, seu Filho, morreu na cruz, a sua fé jamais vacilou. Maria nunca deixou de crer no “cumprimento” da Palavra de Deus.

Tendo Maria como modelo, também eu vi partir para o Pai a minha querida filha, Ana Catarina, e por isso a venero na mais pura realização da fé.

Ana Cristina

 

Mafalda Simões, de 35 anos, é natural de Lisboa. José Manuel, de 57, é da Frexianda. Ela solteira e ele divorciado, conheceram-se e descobriram juntos o amor que alimentou uma família hoje muito numerosa, em Casal dos Bernardos. Estão há 7 anos à espera da decisão do tribunal eclesiástico para a declaração de nulidade do primeiro casamento dele, que permita regularizar uma situação de vida cristã coerente, como procuram fazer já no dia-a-dia. E também no Natal.

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Eis a serva do Senhor…

Saí de Lisboa aos 24 anos, respondendo ao forte apelo que senti quando fazia adoração na capela no Lausperene, para vir viver para Fátima. Deixei um bom emprego e os meus pais e vim à descoberta do que o Senhor e Maria tinham preparado para mim. Foi esse o princípio da transformação da minha vida, para a mãe e esposa que sou hoje, com uma grande e bela família de 3 enteados, 3 filhos biológicos, 2 noras e uma neta que é um amor e uma filhota adoptada.

Tudo começou quando terminei um namoro de mais de 7 anos e fui à procura de um novo rumo. Conheci um homem de 45 anos, bem colocado profissional e socialmente, mas sozinho e com ar de perdido, procurando um sentido de viver e de encontrar Aquele que lhe deu a vida. Fizemos uma caminhada de fé a dois e cimentou-se o amor entre nós.

Agradeço todos os dias a Deus, pois não temos dúvidas de que foi Ele que nos juntou e nos revelou o seu projecto de vida em comum. Não somos nós que vivemos como queremos, mas sim Ele que vive em nós e nos dá o caminho a seguir. Esse é o nosso segredo para um casamento feliz. Temos 22 anos de diferença, mas isso não incomoda o nosso amor e a vivência de 10 anos em comum num amor “trinitário”, entre nós e Deus. O lema mariano “eis a serva do Senhor” é o que procuramos viver e transmitir aos filhos e amigos que frequentam a nossa casa.

Recordo uma passagem da minha vida que jamais esquecerei. Um dia, em conversa com um sacerdote da minha antiga paróquia, em Lisboa, ele dizia: “Sabes como te imagino? Casada, rodeada de filhos, em casa a cuidar deles e do marido.” Respondi que não tinha nascido para ser “dondoca”, mas hoje olho para esse dia como uma profecia de alguém de quem gosto muito e digo: não nasci para “dondoca”, mas sim para ser mãe e esposa.

Hoje em dia, é fácil nós mulheres esquecermo-nos do essencial do nosso papel na sociedade. É necessário colocarmos os olhos em Maria e com ela aprendermos a sermos mães. Com ela aprendi que ter uma “profissão” como a minha não é fácil, pois ser mãe exige muito de mim: noites mal dormidas, conhecimentos de medicina para cuidar dos que ficam doentes, ser professora de todas as áreas para ajudar nas tarefas da escola, ser cozinheira e fazer aquelas comidas especiais ao gosto de cada um, ser pasteleira para as festas das crianças, ser boa ouvinte para todos os amigos, ser boa empregada doméstica para as lidas da casa, construtora para construir os legos com os mais pequenos, gestora e empresária para gerir o maior negócio do mundo (a família), entre muitas outras coisas.

Se me perguntarem se recebo ordenado por tudo isto, respondo: claro que sim, o sorriso daqueles que amo todos os dias e a célebre frase que fazemos questão de dizer uns aos outros: “amo-te muito”.

Tudo isto é mais fácil quando a família reza unida. Enquanto rezamos o terço, há um que chora, outro que ri, outro que ainda não sabe falar corretamente, mas cujas palavras são entendidas pela Mãe e Pai do Céu, ou – como chegou a acontecer – uns rezam e outros mamam. Acreditamos que as orações simples dos pequeninos são bem recebidas pelo Pai do Céu.

Contei tudo isto, para ajudar a perceber o contexto do nosso Natal. Para começar, não existe a troca de prendas que enche todas as casas do nosso país. Aqui, as prendas são dadas no dia de Reis, para retirar esse lado comercial do Natal que leva tanta gente a esquecer-se do essencial. Implantámos esta mudança no ano passado e, ao início, foi complicado explicar às crianças, mas depois entenderam, pois dissemos-lhes que, tal como Jesus recebeu os presentes dos Reis, também nós nos queríamos unir a eles nesse ato.

Assim, no dia 24 vamos à Missa, jantamos e rezamos o terço em família. Como é belo unirmo-nos à nossa Mãe do céu e rezarmos por todas as famílias e pedirmos a sua intercessão para que todas tenham a Família de Nazaré como modelo.                                                                 

No dia 25, almoçamos todos juntos em família, fazemos um bolo de aniversário, tal como as crianças pedem, e cantamos os parabéns a Jesus. Tentamos incutir nas crianças e também nos adultos o verdadeiro sentido no Natal, que a meu ver se está a perder ano após ano.

Ainda a propósito do Natal, posso dizer que a nossa família vive um longo Advento, esperando a vinda do Senhor no sacramento do Matrimónio, pois somos casados civilmente há 10 anos. Durante este tempo, sentimo-nos sempre acolhidos pelos párocos que na nossa comunidade viveram. Hoje em dia, as coisas modificaram-se um pouco, pois, apesar de tanto se falar neste assunto, nem todos estão abertos a esse acolhimento. Tal como Maria, guardo esses acontecimentos em meu coração e aguardo a chegada desse dia. Apesar de tudo, de uma coisa temos a certeza: que o Senhor está connosco e connosco vive e partilha todos os momentos da nossa vida, pois sentimos a sua presença permanente. Queremos caminhar com Maria e conhecer cada dia melhor o seu filho Jesus, ela que esteve sempre presente na sua vida.

Aproveito para desejar a todos um feliz e santo Natal e que o Menino possa renascer em cada um, trazendo um novo ano cheio de novas experiências, carregado de muito amor, solidariedade, de esperança e força para construirmos um mundo de paz.

Mafalda Simões

 

Emília Gonçalves Castelhano é utente do Centro Paroquial de Assistência (CPA) do Reguengo do Fetal há cerca de 7 anos, desde que voltou com o marido da emigração nos Estados Unidos da América, por causa da doença dele. O testemunho é recolhido pelas colaboradoras da instituição.

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Uma mãe com saudades no Natal

Em Portugal, era tradição irem sempre à Missa do Galo. Nos primeiros anos na América também, mas depois começaram a ser muitos e a igreja era mais distante e não iam com tanta frequência. Mas sempre viveram um Natal muito cristão.

Apesar do sorriso contagiante, toda a conversa com Emília Castelhanos foi envolta em lágrimas de saudade. Teve 5 filhos, um já falecido de acidente, e tem 6 netos e 7 bisnetos. O marido faleceu há 5 anos e ela continuou a viver no lar do Reguengo. Os filhos insistem muito para que vá para a companhia deles, nos EUA, mas “cada um tem a sua vida e a sua casa e não quero estorvar ninguém”. Ainda assim, apesar dos seus 86 anos, quase todos os anos vai lá passar cerca de um mês com eles e, quando algum deles pode, também a vem cá visitar. “Mas as saudades são muitas, muitas, muitas!”.

Quando perguntamos a uma mãe institucionalizada, longe dos seus, o que se sente nesta época natalícia… “sinto saudades… muitas, muitas, muitas… saudades de ter a família toda reunida. Antigamente era em minha casa, mas depois passou a ser em casa de cada filho. Era uma grande festa! Antes tínhamos uma árvore artificial e depois passámos a comprar das verdadeiras. Cheirava tão bem a pinho! Depois fazíamos uma moreia de presentes. Era dos filhos e já dos netos também. Era uma alegria para mim. A mesa tinha tudo o quanto é bom! A árvore toda enfeitadinha com o prato de água por baixo para se manter fresca e a deitar cheirinho… e depois tínhamos o presépio à volta… e mais tarde pusemos a figura do pai-natal para os mais pequenitos. Havia sempre alguém que se mascarava de pai-natal para entregar as prendas todas… Era uma festa! Antigamente era assim…”.

Emília veio para Portugal por uma opção consciente. Poderia estar junto dos seus nesta época, mas a saúde também a influencia, porque sabe que tem graves problemas respiratórios e se sente melhor com os climas mais temperados e quentes. Não quer dar trabalho aos filhos. Mais uma vez, as memórias do Natal: “giro era eu agora juntar-me com eles… mas eu sei que não pode ser já. Naquela altura em que lá estava na América era… mas agora é impossível mesmo. Eles têm trabalho e gastavam muito dinheiro para vir cá. Mas ligam… ligam sempre. Eles têm outra vida. Eu já disse para eles não gastarem dinheiro comigo, com prendas… uma rica prenda era eles estarem comigo”.

“Tal como Maria, mãe de Jesus, teve de viver a sua saudade e estar longe do seu Filho nos últimos natais da sua vida, mesmo sentido muito amor de mãe, assim estou eu, sinto amor por eles, sinto muita saudade, gostava de estar com eles, mas sei que estão bem. É muito amor de mãe. Uma mãe gosta sempre de passar com os seus filhos, principalmente nesta altura. Uma pessoa sente sempre saudades… muitas saudades.

Uma mensagem que Emília quer deixar no final: “Que todos passem um Natal muito feliz, que eu aqui vou passando com saudades. Se vão escrever isto no jornal, fica tudo mal feito… eles assim ainda vão ficar mais tristes, porque sabem que eu me lembro sempre deles. E eles sabem, porque todos os domingos me ligam. Eles depois vêem no facebook as fotografias todas que vocês lá metem e também os ajuda a matar as saudades”.

Colaboradoras do CPA

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Captura de ecrã 2024-04-17, às 12.19.04

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