Fórum sobre os jovens: deixem-nos entrar em casa, mesmo que a desarrumem

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A abertura do ano pastoral 2019-2020 ficou marcado pela realização do Fórum “Jovens: Oportunidades e Caminhos”. No dia 5 de outubro, 230 participantes encheram a aula magna do Seminário diocesano de Leiria para compreender as problemáticas que se colocam actualmente aos jovens e partilhar novas respostas pastorais para uma adequada transmissão da fé.

A jornada começou com uma mensagem do bispo diocesano, D. António Marto. Por se encontrar em Roma para o consistório da criação do cardeal D. José Tolentino de Mendonça, o prelado deixou o discurso de abertura gravado em vídeo.

D. António Marto começou por abordar as dificuldades com que os adultos se deparam no relacionamento com os jovens. “Os adolescentes e jovens de hoje escapam com muita facilidade aos tradicionais cânones educativos da família, da escola e da catequese”, pelo que “não é difícil encontrar pais, educadores e catequistas perturbados pelos seus desafios sem saber o que e como (co)responder”, começou por dizer, para depois enumerar algumas das principais características dos adolescentes e jovens. Destacou o facto de que eles já “não são mais psicologicamente formatados pela sociedade para integrar a autoridade de tipo paterno” e que “aprendem dos adultos a partir do que lhes vêem fazer e não do que lhes mandam fazer”.

O prelado é de opinião de que “o jovem aprende a pensar por si, a agir por vontade própria, a afirmar o seu “eu” diante dos outros” e, tendo isso em conta, sugere que “o percurso de estilo catecumenal (experiencial, vivencial) seja o mais adaptado para acompanhar a formação de fé nos jovens”.

D. António Marto referiu-se concretamente ao desfasamento entre os métodos que a Igreja na sua ação pastoral e os estilo que mais se adaptam aos jovens. “Enquanto os adultos procuram ter tudo programado, com reuniões periódicas e horários fixos, hoje a maioria dos jovens sente-se pouco atraída por estes esquemas pastorais”, exemplificou com a justificação de que “a pastoral juvenil precisa de adquirir outra flexibilidade, convidando os jovens para acontecimentos e eventos que, de vez em quando, lhes proporcionem um espaço onde não só recebam uma formação, mas lhes permitam também compartilhar a vida, festejar, cantar, escutar testemunhos concretos e experimentar o encontro comunitário com o Deus vivo”.

Nuno Tovar de Lemos: o Apolo e o Dionísio

A primeira grande conferência do dia este a cargo do padre Nuno Tovar de Lemos, o reconhecido sacerdote jesuíta autor dos livros “O Príncipe e a Lavadeira” e “Textos para Rezar”.

O orador introduziu o seu tema questionando a abordagem que habitualmente se faz ao olhar sobre os jovens de hoje. “Toda a gente pergunta qual o creme que pomos no bolo, mas ninguém pergunta se é preciso mudar a receita”, ilustrou. Para este padre, o Fórum não serve apenas para falar só dos jovens, mas sim do futuro. Também como o Bispo diocesano, Nuno Tovar põe em causa a forma como a Igreja trata os jovens: “queremos que os jovens entrem em casa, mas não queremos que desarrumem a casa”.

O padre jesuíta deu o exemplo de dois deuses da mitologia grega para caracterizar a Igreja e o jovens. A Igreja foi equiparada ao deus Apolo, como sendo lado da razão, do raciocínio lógico, da organização, da harmonia e do equilíbrio. Já os jovens são comparados na sua maneira de ser a Dionísio, o deus do caos, das emoções e dos instintos. Desta constatação, se conclui que “os jovens alimentam-se de emoções” em contraponto com uma Igreja que “é uma seca, uma seca emocional, sem vida, sem água”, mesmo sabendo que seja “difícil encontrar maior emoção na vida do que seguir Jesus Cristo”.

O padre Nuno Tovar de Lemos foi um dos oradores

Um dos maiores problemas da Igreja é a sua incapacidade de comunicar. Foi assim que pôr o dedo no “ponto difícil”: “o nosso registo de comunicação de padres é uma seca, é o domínio absoluto de Apolo; a maneira como Jesus falava e como os padres falam não tem comparação nenhuma”. (o reino de deus é como uma mulher que perdeu uma moeda…). Comparação entre ósculo e beijo, exemplifica a falta de emoções.

O que eu ganho com isso?

Nuno Tovar de Lemos partilhou uma segunda constatação: “os jovens investem se isso lhes traz algo de bom”. Se há alguns anos havia uma proeminência da cultura da fidelidade, em que o argumento era o da autoridade, hoje a cultura do consumo impõe o argumento “do que eu ganho”. “Para a Igreja isso é uma óptima notícia: pode lá haver mais ganho que o salvação, uma vida com sentido; em termos de marketing a igreja tem o produto de que toda a gente anda à procura.”

À pergunta de que será que a Igreja deveria ter menos regras, o orador respondeu que sim. Na sua opinião deve “haver uma maior flexibilização das regras em relação à realidade”, pois “uma verdade que não faz diferença mais vale ser calada”. E conclui que “os jovens não querem falta de exigência, mas querem saber o sentido dessa exigência”.

Outra constatação que o padre verifica é que os jovens valorizam o que é natural. E mais uma vez considera que o cristianismo tem a resposta: “Jesus era o homem anti-sofisticação”, mas a Igreja “torna-se num lugar onde não podemos ser nós mesmos”.

Em jeito de conclusão, o padre Nuno afirma que “em vez da doutrina e da disciplina, o futuro da Igreja está na espiritualidade e na solidariedade; a parte institucional é importante, mas a comunidade é ainda mais”.

Um painel abrangente

Depois a conferência, foi apresentado um painel com quatro oradoras que se destacam em diversas áreas da actividade humana e de relação com os jovens. Em cima da mesa estiveram presentes diversos temas que foram desde as dependências até aos desencontros geracionais, passando pelas escolhas dos jovens e pela importância que estes dão à sua imagem e à influência das redes sociais no seu comportamento.

Para estes temas deram o seu contributo a Ana Filipa Soledade, do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), a Elsa Rodrigues, do Colégio de Nossa Senhora de Fátima, a Sandra Francisco, do Politécnico de Leiria, e a Dora Filipe, da Associação Intermediar.

Escuta como atitude existencial

A segunda grande conferência que começou os trabalhos na parte da tarde, contou com a presença de Teresa Messias, da Universidade Católica Portuguesa. Esta professora catedrática falou sobre o modo como a Igreja deve responder aos desafios que os jovens de hoje colocam, tendo em conta a cultura juvenil, abordando tópicos como a pastoral juvenil e a espiritualidade.

A oradora começou por partilhar algumas constatações problemáticas. Para ela, de acordo com um estudo por ocasião do Sínodo dos Bispos sobre os jovens, “estes não pedem nada à Igreja senão que os deixe em paz, que deixe de existir; Outros pedem ainda uma ‘monumental mudança de atitude, de orientação e de prática’”.

Explicou ainda que uma das exigências que a juventude faz à Igreja é que “passe da humilhação à humildade, da exterioridade à interioridade”, pois “já não estamos na cristandade, estamos no tempo das minorias”.

Um dos pontos centrais da intervenção da Teresa Messias pretendeu responder ao pedido dos jovens para serem levados a sério: “pedem que a Igreja que os escute e que não faça de conta que os escuta”. Daí que a primeira atitude de qualquer atividade pastoral seja a escuta, “escutar como quem aprende”. Para a oradora “escutar é também entrar na linguagem do silêncio do outro, da não verbalidade, da distância daqueles que não responderam ao pedido que a Igreja fez de falarem com ela”.

Ou aspeto fundamental referido é de que “os jovens pedem que a Igreja resplandeça por autenticidade”. “A primeira linha de orientação da igreja é recuperar os lugares experimentais da igreja, onde se possa fazer uma experiência orante e espiritual, de Jesus Cristo, espaços onde se faça o discernimento da vida humana enquanto vocação”, conclui.

Depois da conferência, cada um dos participantes puderam integrar dois dos 12 workshops disponíveis, para aprenderem mais sobre propostas concretas que hoje a Igreja faz aos jovens.

Missa de início do ano pastoral: um ícone e uma mensagem entregue às paróquias

A jornada terminou com a celebração eucarística na Catedral, para a qual toda a Diocese foi convidada, por ser o ato em que se oficializava o início do ano pastoral. A presidência da celebração foi delegada pelo Bispo diocesano ao padre Gonçalo Diniz, pároco da Sé.

Na homilia, o sacerdote partiu do episódio da conversão de São Paulo, que também serve de mote para o biénio pastoral, para explicar a importância do testemunho da atividade pastoral da Igreja.

“Este acontecimento, tão marcante para o próprio Paulo, mas também para toda a história da Igreja, não estivéssemos a falar do grande apóstolo por excelência, este testemunho, esta história viva, vai nos acompanhar num modo especial ao longo deste novo ano pastoral, que hoje iniciamos de modo solene, mais também com a simplicidade própria do evangelho.”

O padre Gonçalo explicou que “o testemunho de Paulo está centrado num diálogo, um encontro entre dois: ele e Jesus. Jesus dirige-se a ele pelo seu nome e Paulo responde com essa pergunta que nos orienta neste biénio: “Quem és tu, Senhor”. Paulo encontra-se com Alguém. É isso que faz toda a diferença. Caso contrário, vivemos uma religião de ritos ou de normas morais, mas vazia… Olhando para os nossos catequizandos, para os nossos adolescentes que saem da catequese, pergunto-me muitas vezes: será que a pessoa de Jesus Cristo lhes diz algo? Olhando para cada um de nós, podemos afirmar que Ele, Jesus Cristo, nos seduz?”.

A fazer a animação musical da celebração, estreou-se o Coro Diocesano de Jovens que, há mais de um mês se prepara para o efeito, dando-lhe o necessário tom de juventude. No momento de acção de graças, entoaram uma canção composta por Diana Costa para ser o hino deste ano, e que tem como título o tema central “Quem és Tu, Senhor”.

D. António Marto quer encontrar-se com os jovens

Foi neste momento da celebração que o bispo D. António Marto fez mais uma intervenção, através da mensagem gravada em vídeo em que apresentou o “Ícone do Abraço”, que irá estar presente em todos encontros que for fazendo com os jovens durante este ano. Uma réplica desta imagem que existe na comunidade de Taizé foi oferecida a todas as paróquias juntamente com uma carta escrita por D. António Marto para ser lida nas celebrações dominicais.

Nessa carta, o prelado manifesta o desejo de voltar a encontrar-se novamente com os jovens de cada vigararia, como no ano passado. “Mas desta vez estaremos juntos em oração, para pedir, louvar e agradecer a Deus pelo projecto de felicidade que Ele tem para cada jovem”, explica.

Outro desejo expresso do Bispo é que os jovens combinem com os seus párocos “o agendamento e dinamização de um dia na paróquia dedicado aos jovens”, pois “é uma oportunidade para dar azo à vossa imaginação e criatividade, que tanto vos caracteriza”.

O ícone do abraço e o Coro Diocesano dos Jovens ao fundo

Finalmente, pede para reservar na agenda os dias 25 e 26 de julho de 2020: “nestes dias vamos encontrar-nos numa grande Festa da Juventude, que se realizará em Porto de Mós. Serão dois dias de convívio, encontro, reflexão, música e muito mais”.

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