47 – Padre António dos Santos Alves – um modelo de pároco

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Pároco das Cortes, o Padre António Santos Alves, também conhecido por Padre Cereja, serviu a sua paróquia durante cerca de meio século, assistindo incólume a todos os grandes acontecimentos da primeira metade do século XX, incluindo os de Fátima. São dele, aliás, dois importantes documentos que foram inseridos com os n.ºs 44 e 45 na “Documentação Crítica de Fátima” relativos a interrogatórios que fez às videntes em Setembro de 1917. Pela sua fibra e persistência, é um exemplo de pároco, enquanto pastor e cidadão.

 

O Padre António dos Santos Alves nasceu a 13 de Março de 1877 no lugar de Soutocico, freguesia do Arrabal. Era filho de Joaquim dos Santos Alves e de Teresa de Jesus Alves. Frequentou o Seminário de Leiria, onde fez os estudos preparatórios. No Seminário de Coimbra frequentou o curso de Teologia. Aí foi ordenado presbítero a 20 de Agosto de 1899. Paroquiou as Cortes inicialmente, de 1900 a meados de 1902, provavelmente sem saber ainda que retornaria. Depois das Cortes foi capelão das Matas, freguesia do Louriçal, e, a seguir, nomeado coadjutor da freguesia de Santa Catarina da Serra, donde transitou, em 1903, por concurso, por provas públicas e documentais, para a freguesia da Barosa. Vagando a freguesia das Cortes, pela saída do Padre António Antunes de Faria, que fora nomeado, mediante concurso, pároco da freguesia dos Pousos, o Padre Santos Alves concorreu à freguesia das Cortes, sendo colocado nesta freguesia para permanecer na função até à sua morte, sendo, pois, o Pároco que, desde 1751, mais tempo esteve à frente dos destinos religiosos daquela paróquia, isto é, cerca de 50 anos.

O seu sucessor, Padre José Carreira, deixou escritas algumas considerações sobre este sacerdote benquisto dos seus paroquianos que, carinhosamente, o tratavam por Padre Cereja, uma alcunha que lhe advinha de ser oriundo da freguesia do Arrabal, mais precisamente do lugar do Soutocico, justamente terra de eleição da cereja.

A 9 de Julho de 1908 foi baptizada nas Cortes uma menina de nome Júlia, do mesmo lugar. O Padre José Carreira anotou no livro de registos: «Nesta data entra definitivamente [nas Cortes] o Rev. António dos Santos Alves, até 19-5-1956, data do seu falecimento.»

Pelo meio, anote-se uma efeméride cujo registo é observável na fachada principal da igreja das Cortes onde ainda se encontra afixada uma lápide alusiva. “O Mensageiro” n.º 1657, de 18-8-1949, anunciou assim a iniciativa: «Comemora no dia 20 do corrente as suas bodas de ouro da sua ordenação sacerdotal – o digno pároco da freguesia de Cortes, rev. António dos Santos Alves.» Foi o Padre Vieira da Rosa que, num dos sermões da Quaresma, deu a conhecer aos habitantes da freguesia a festiva data da ordenação sacerdotal do seu rev. Pároco, o que logo suscitou a ideia de ser festivamente comemorada essa data

Com o título “Bodas de ouro do rev. pároco das Cortes”, o mesmo jornal, na sua edição n.º 1658, de 18-8-1949, fez reportagem do festivo acontecimento: «(…) Pelo meio dia celebrou missa acolitado pelos revs. Nunes e Gois, respectivamente párocos da Barosa e Monte Redondo, o rev. Santos Alves, servindo de Mestre de Cerimónias o rev. Craveiro. A música foi executada por um grupo de seminaristas, estando ao órgão o rev. Oliveira Rosa. // Entre os assistentes vimos os revs. Cónego dr. Venâncio, João Carvalho, dr. Almeida, Vieira da Rosa, Geraldo, Higino, Manuel de Sousa, Margalhau, Silva Gonçalves, Barreiros, Menitra e Jorge. À missa seguiu-se o Te Deum em acção de graças, findo o qual o rev. Santos Alves agradeceu a presença dos seus paroquianos e a homenagem que lhe era prestada. // Terminada a festa da Igreja, quando se formava em frente da porta principal o cortejo para acompanhar à residência paroquial o rev. Santos Alves, o aluno da Escola de Veterinária, natural da freguesia das Cortes, sr. José dos Santos Sismeiro, fez uso da palavra enaltecendo a vida paroquial sempre presente nos sacramentos desde o baptismo até à extrema-unção, acabando por se referir à vida do rev. Santos Alves modelo de pároco e à veneração que a freguesia lhe tributa. No final do discurso foi descerrada uma lápide em mármore com a seguinte inscrição: “Homenagem da freguesia das Cortes ao seu pároco padre António dos Santos Alves no 50 aniversário da sua ordenação sacerdotal. – 20-8-1899 – 20-8-1949.”

«Após o descerramento da lápide organizou-se um cortejo para a residência paroquial acompanhando o digno pároco numerosas pessoas, a filarmónica local, que tomou parte na homenagem, o clero, cortejo que seguiu pela rua atapetada com verdura e ramos floridos. Foram levantados muitos vivas. // Na residência paroquial foi servido um almoço à Comissão, clero e seminaristas, bem como foi oferecida uma merenda à música e pessoas presentes. // Que festeje as bodas de diamante é o que nós e todos os seus paroquianos desejamos ao rev. Santos Alves./ O rev. Santos Alves após a sua ordenação em 20-8-1899 foi capelão das Matas, freguesia do Louriçal, saindo dali para paroquiar como encomendado a freguesia das Cortes, donde saiu para pároco colado da freguesia da Barosa e desta para as Cortes em 1908, freguesia que tem paroquiado até hoje. // Actualmente são apenas 4 os párocos colados em exercício na Diocese de Leiria – Amor, Barosa, Cortes e Milagres.»

 


 

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Base do Cruzeiro da Senhora do Monte (Cortes), o 1.º a ser erguido em Portugal como homenagem aos mortos na Grande Guerra (29-09-1919). Da esq. para a dir., vêem-se:  Mons. Manuel Marques dos Santos  (que foi o testamenteiro do Pe. Santos Alves); Joaquim Alves Pereira; Padre Santos Alves; Padre José Galamba de Oliveira; e Padre João Pereira Venâncio (futuro Bispo de Leiria).


 

O Padre Santos Alves teve o privilégio de ter na sua Paróquia das Cortes, em 1917, as duas videntes de Fátima, Lúcia e Jacinta, que interrogou presumivelmente nos dias 17 de Setembro e seguintes, na Reixida e na sacristia da igreja das Cortes. Desse interrogatório elaborou o Pároco dois importantes documentos que estão inseridos com os n.ºs 44 e 45 na “Documentação Crítica de Fátima, I – Interrogatórios aos Videntes – 1917”, Fátima, 1992. O assunto foi tratado com pormenor por Alfredo de Matos no livro “8 dias com as videntes da Cova da Iria em 1917”, um livro de 90 páginas, editado em 1968, que relata a presença das videntes Lúcia e Jacinta em casa de D. Maria do Carmo Marques da Cruz Menezes, na Reixida (Cortes), em Setembro de 1917. Segundo Alfredo de Matos, o Padre Santos Alves chegou a convidar o Dr. João Lopes Soares para assistir ao interrogatório, mas ele declinou, invocando muitos afazeres (estávamos em plena 1.ª Grande Guerra).

O pai do autor destas linhas, Francisco Fernandes, foi na sua juventude um acompanhante do Padre Santos Alves, em especial quando este fazia a Visita Pascal à Paróquia, montado na sua égua. Tomava-lhe conta do “transporte” e conduzia as galinhas recebidas dos paroquianos às capoeiras predeterminadas em cada lugar.

No jornal “O Mensageiro”, n.º 1385, de 11-4-1942, pode ler-se: «Fracturou uma perna quando andava a dar as boas-festas aos seus paroquianos o digno pároco das Cortes, rev. António dos Santos Alves.» Foi precisamente por ter caído da égua abaixo, num dia à tardinha, tendo sido conduzido em braços por dois homens até ao passal.

Dos registos paroquiais consta, nomeadamente, que o Pe. Santos Alves foi padrinho: de uma Rozinda, a 9-9-1908; de um António, a 28-4-1910, com Mariana d’Azevedo Lopes Vieira; e de outro António, a 11-9-1910, com Guilhermina Lopes Soares. Foi ainda o Padre Cereja quem baptizou o autor, em Fevereiro de 1956…

O Padre António dos Santos Alves era muito acarinhado pelos seus paroquianos justamente porque esteve sempre ao lado deles. Lembramos, por exemplo, o apreço que tinha pela Filarmónica das Cortes, fazendo questão de a acompanhar com regularidade. Uma das primeiras fotografias de que a Filarmónica dispõe, datada de finais de 1927, contempla a presença do Pároco (ver aqui junto). Estar cerca de meio século à frente de uma paróquia é obra! Nas Cortes, o Padre Santos Alves passou incólume pela República, pela Grande Guerra, pelo Estado Novo e pela 2.ª Guerra Mundial!

Das considerações do Padre José Carreira, que o conheceu pessoalmente e discorre longamente sobre o seu perfil, respigamos:

«Vitimou-o uma dura e implacável trombose que lhe deu, pela graça do Senhor, a certa altura a necessária recuperação para, com a devida lucidez de consciência, lhe poderem ser administrados os SS. Sacramentos pelo Revº. Francisco Jorge, prior da Barreira e seu coadjutor, reentrando em estado de coma até à hora final. Durante a vida: modesto, humilde, serviçal para com os seus fiéis e reverendos colegas; irrepreensível na fé e nos costumes. Na morte não esqueceu a Igreja paroquial, os pobres da freguesia, o Seminário diocesano, contemplando-os. Na sequência dos seus antecessores, deixou na paróquia muitos bons costumes… // Poucas eram as casas em que se deixasse [de rezar] o terço diário em família. Do Jubileu anual, com escrita ali encontrada [nas Cortes], de cerca de 100 anos, em honra do SS. Coração de Jesus, muitas vezes ouvi no domingo do seu dia, segundo Domingo de Setembro, este desabafo de bons chefes de família, que tinham visto a sua igreja cheia a receber a SS. Eucaristia, na S. Missa; cheia nas horas de adoração vespertina que culminava com a procissão Eucarística: «Sr. prior, durante todo o ano, este é o maior dia da freguesia.»

Em “O Mensageiro” n.º 2006, de 19-5-1956, pode ler-se: «No dia 14 foi acometido de embolia cerebral, permanecendo ainda em gravíssimo estado de coma, o digno pároco da freguesia das Cortes, rev. António Santos Alves. // Às dez horas de hoje, 19, recebemos a triste notícia do falecimento do rev. Santos Alves. (…)»

E na edição seguinte, de 26-5-1956, reporta:

«(…) Durante o Ofício e Missa de Requiem a Igreja esteve sempre repleta de seus paroquianos que acompanharam até ao cemitério o cadáver do seu bom pároco. Era natural do lugar do Soutocico, freguesia do Arrabal. Nas suas disposições finais legou os bens que possuía a suas irmãs e sobrinhos, contemplando o Hospital D. Manuel d’Aguiar, o Seminário e os Pobres da Freguesia das Cortes com determinadas quantias. Nomeou seu testamenteiro Mgr. dr. Marques dos Santos. Os dois venerandos prelados da Diocese foram representados no funeral. Na carta de consciência anexa ao seu testamento o rev. Santos Alves demonstra a sua bondade pedindo perdão aos seus paroquianos de qualquer falta que tivesse cometido e pedindo-lhes que se lembrassem nas suas orações da alma do seu pároco. // Tanto nos ofícios, como no funeral vimos, além de 40 seminaristas do Seminário Maior, os seguintes eclesiásticos: // Do Seminário Maior: Mgr. Marques dos Santos, cónegos Oliveira Rosa, Aurélio Galamba, Luís Portela e Perdigão; professores: revs. dr. Bonifácio, dr. Américo e dr. Silva, ecónomo rev. Lopes Ferreira e director espiritual rev. Craveiro. // Párocos de: Leiria, Arrabal, Amor, Urqueira, Juncal, Porto de Mós, Santa Catarina da Serra, Santa Eufêmia, Caranguejeira, Reguengo do Fetal, Carvide, Alqueidão da Serra, Alvados Colmeias, Coimbrão, Batalha, Albegaria dos Doze, Serro Ventoso, Olival, Mira d’Aire, Ceiça, Barreira, Mendiga, Pousos, Monte Real, Azoia, Monte Redondo, Pedreiras, Souto da Carpalhosa, Maceira, Vila Nova de Ourém, Rio de Couros, Ourém e Milagres. // Mais os seguintes eclesiásticos: rev. dr. Andrade e Silva, de V. N. de Ourém, rev. dr. Jacinto dos Reis, de Lisboa, tenente capelão militar Vieira da Rosa, capelão das Visitandinas rev. Sousa, mordomo do Hospital rev. Pires, coadjutores de Souto da Carpalhosa, Espite, e Monte Redondo, revs. João Menitra e José do Espírito Santo. // No funeral tomaram parte todas as pessoas de maior categoria da freguesia. Assistiu ao funeral o sr. coronel José Pereira Pascoal. // Visitou o cadáver quando o mesmo estava em câmara ardente, para o que veio de Lisboa, o seu antigo contemporâneo e sempre amigo João Lopes Soares, antigo deputado e ministro que se fazia acompanhar pelo sr. A[lfredo] de Matos.»

O Pe. António dos Santos Alves encontra-se realmente sepultado na capela do cemitério das Cortes que tem data de 2-11-1956, depois de ter estado algum tempo num dos jazigos que havia no local. Cremos mesmo que esta pequena capela terá sido erguida com o objectivo de homenagear o seu Pároco, embora o fim último fosse obviamente servir as necessidades do culto nas cerimónias fúnebres. A lápide funerária, patente na capela, tem a seguinte inscrição:

«À memória do Rev. António dos Santos Alves que nasceu no Soutocico, freguesia do Arrabal a 13-3-1877. Paroquiou as freguesias de Santa Catarina da Serra, Barosa e Cortes, esta durante 48 anos. Faleceu nas Cortes a 19-5-1956. Eterna lembrança de sua família.»

Elementos recolhidos por Carlos Fernandes

 


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